25/09/2009
Por Mário Leite de Barros Filho
Sumário: I – O Projeto de Reforma do Código de Processo Penal II - Ausência de Representatividade da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto de reforma do CPP III – Delimitação do Tema IV – Pontos Positivos do Projeto V – Aspectos Negativos do Projeto – Investigação CriminalArquivamento do Inquérito Policial e Juiz de Garantias VI – Violação dos direitos e garantias individuais das pessoas investigadas e acusadas VII - Objetivo das sugestões apresentadas VIII – Importância das Audiências Públicas IX Conclusão e X - Bibliografia.
Resumo: O presente trabalho examina as normas do projeto de lei nº 156/2009 que tramita no Senado Federalelaborado com a razão aparente de reformar o atual Código de Processo Penal.
Analisa os pontos positivos do projetoem especialo dispositivo que cria o chamado “contraditório mitigado no inquérito policial” e o preceito que restringe a realização das interceptações das comunicações telefônicas.
Em seguidacritica as normas que possibilitam a investigação criminal e o arquivamento do inquérito policial pelos integrantes do Ministério Públicopor violarem direitos e garantias individuais dos acusados da prática de crimes.
Finalmentecomenta o instituto do “juiz de garantias” criado pelo citado projetoquestionando a exequibilidade deste novo sistema.
Palavra chave: Reforma do Código de Processo PenalPolícia JudiciáriaMinistério PúblicoJuiz de GarantiasInvestigação criminalArquivamento do Inquérito PolicialInterceptação Comunicações Telefônicase Persecução Criminal Preliminar.
I – O Projeto de Reforma do Código de Processo Penal
Tramita no Senado Federal o projeto de lei nº 156/2009elaborado supostamente para reformar o atual Código de Processo Penal.
Inicialmente é necessário enaltecer a iniciativa da comissão de juristas encarregada da elaboração do anteprojetoque desenvolveu tal trabalho com o objetivo de atualizar e modernizar o atual Código de Processo Penal - CPP.
Entretantolamentavelmenteo Ministério Público transformou a proposta de atualização do CPP em instrumento ilegítimo para usurpar a investigação criminal da Polícia Judiciária.
II - Ausência de Representatividade da Comissão de Juristas que Elaborou o Anteprojeto de Reforma do CPP
É importante deixar consignado que a comissão de juristas encarregada da elaboração do Código de Processo Penal foi composta por representantes do Ministério Públicoda Magistraturada Ordem dos Advogados do Brasil e da Polícia Federalmasinfelizmentenão contou com a participação de nenhum delegado da Polícia Judiciária dos Estadosapesar dos esforços dos presidentes da ADEPOL do Brasil e ADPESP neste sentido.
Inquestionavelmentetal omissão comprometeu sobremaneira a representatividade da mencionada comissão e a qualidade do trabalho apresentadoprincipalmenteno que se refere à parte da investigação criminal e do inquérito policialpois o grupo de juristas e o anteprojeto ficaram privados da experiência e visão jurídica do delegado de políciacom relação aos aspectos formais e materiais dos referidos temas.
III- Delimitação do Tema
Apesar da importância de toda propostapara os delegados de polícia têm especial relevância a parte da persecução criminal preliminarque compreende:
· A investigação criminal
· O inquérito policiale
· O chamado “juiz de garantias”.
As aludidas matérias são importantes porque estão diretamente vinculadas à atividade de Polícia Judiciáriaexercida pelas autoridades policiais.
Desta formao presente trabalho se restringirá ao exame das questões relacionadas à fase pré-processual.
IV - Pontos Positivos do Projeto
O projeto em discussão apresenta alguns pontos positivosentre elesse destaca a criação do chamado “contraditório mitigado” no inquérito policialprevisto no caput do art. 27.
O mencionado instituto possibilita a participação tanto da vítima como do investigado na produção das provasna fase pré-processual.
Art. 27 - A vítimaou seu representante legale o investigado poderão requerer à autoridade policial a realização de qualquer diligênciaque será efetuadaquando reconhecida a sua necessidade. (grifei)
Essa medidasem dúvidarepresenta um avanço no sistema de justiça criminalporque está em perfeita sintonia com o princípio da ampla defesa e convive harmonicamente com a natureza inquisitiva do inquérito policial.
Outro aspecto positivo do projeto em tela se refere à restrição das interceptações de comunicações telefônicasprevista no art. 235.
Art. 235 - A interceptação de comunicações telefônicas não será admitida na investigação ou instrução processual de infrações penais cujo limite mínimo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou inferior a 1 (um) anosalvo: (grifei)
I – quando a conduta delituosa for realizada exclusivamente por meio dessa modalidade de comunicaçãoII – no crime de formação de quadrilha ou bando.
Atualmenteobserva-se a banalização desse meio de investigação criminalquepela sua praticidadegera certo comodismo no profissional encarregado da elucidação do delito.
De fatoa Polícia Judiciária tem que procurar alternativas e se valer dos outros meios de investigação para o esclarecimento dos crimesnotadamenteda campanainfiltraçãopenetraçãodo exame do local de crime e das informações prestadas pelas vítimas e testemunhas.
Entretantoneste aspectoo projeto pode ser aperfeiçoadocondicionando a realização da interceptação de comunicação telefônica à prévia instauração de inquérito policialprovidência que evitaria a realização clandestina deste meio de provapela Polícia Militar e Ministério Público.
V – Aspectos Negativos do Projeto
Apesar do esforço e da dedicação dos integrantes da comissão encarregada de elaborar o anteprojeto de reforma do Código de Processo Penala proposta apresentou inúmeras imperfeições nos dispositivos relacionados à fase da persecução criminal preliminar.
Tal fato correude um ladopela ausência de representante dos delegados da Polícia Judiciária dos Estados na citada comissão ede outropela visível influência do representante do Ministério Público no mencionado grupo de juristas.
Efetivamentevários dispositivos do projeto em discussão estão eivados pelo vício da inconstitucionalidade.
- Investigação Criminal
Em primeiro lugarmerece relevo a norma disposta no art. 9ºdo projeto em debateque intencionalmente não identifica a autoridade competente para presidir a investigação criminal.
Art. 9º - A autoridade competente para conduzir a investigação criminalos procedimentos a serem observados e o seu prazo de encerramento serão definidos em lei. (grifei)
A indefinição da autoridade competente para presidir a investigação criminal foi proposital. Teve como objetivo possibilitar o exercício dessa atividade pelos integrantes do Ministério Público.
Todaviao art. 9ºda referida propostaao não definir a autoridade competente para conduzir a investigação criminalviolouem primeiro lugaro inciso LIIdo art. 5ºda Constituição Federalque proíbe os chamados “juizados de exceção” ao dispor que:
Art. 5º. (...)
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. (grifei)
Traduzindo em português claroa pessoaantes de cometer o crimetem o direito de saber qual o procedimento (inquérito policial)o órgão (Polícia Judiciária) e o servidor responsável pela apuração do delito (delegado de polícia)como corolário do princípio que determina que:
“Ninguém será investigadoprocessado e sentenciado senão pela autoridade competente.”
Por outro ladoo art. 9ºda aludida propostafere o § 4ºdo art. 144da Constituição Federalque atribui à Polícia Judiciáriachefiada por delegado de polícia de carreiraa atividade de investigação criminal.
Art. 144 - ...
§ 4º - Às polícias civisdirigidas por delegados de polícia de carreiraincumbemressalvada a competência da Uniãoas funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penaisexceto as militares. (grifei)
É importante salientar que o Supremo Tribunal Federal já decidiunas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 2427 e 3614que a presidência do inquérito policial é do delegado de polícia.
Saliente-setambémque o Ministério Público tentou inúmeras vezespor intermédio de propostas de emenda à Constituiçãoconquistar a prerrogativa da investigação criminalsendo que essa iniciativa sempre foi rejeitada pelo Congresso Nacional.
Neste pontoé necessário esclarecer que o Ministério Público desejana realidadealcançar a denominada “investigação criminal seletiva”isto épretende escolher e apurar apenas os crimes mais importantespraticados por empresários e políticos influentespois tal iniciativa é amplamente divulgada pela mídiaprojetando a Instituição e destacando seus integrantes.
Em outras palavrasos membros do Parquet não estão interessados e preocupados com os pequenos ilícitospraticados pelas pessoas humildes e simplespois tais fatos não despertam o interesse da imprensa.
Tal fato se reveste de maior gravidadeporque o Ministério Público pretende exercer a atividade de investigação criminal por intermédio da Polícia Militardesvirtuando a função preventiva desta Instituição.
De outra partea possibilidade de o Ministério Público investigar cria condições para direcionar o resultado do processo crime.
Com efeitoos integrantes do Parquet quando realizam investigações criminaisnão se despem da condição de parte da relação processualinteressadanaturalmenteno desfecho da questão contra o acusado.
A Polícia Judiciáriapor não ser partenão se envolve e nem se apaixona pela causa investigada.
É importante que se entenda que: o delegado de polícia não está vinculado à acusação ou à defesaagindo como um verdadeiro magistradotem apenas compromisso com a verdade dos fatos.
Vale lembrar que o ordenamento jurídico vigente adotou o chamado “Sistema de Persecução Criminal Acusatório.”
Tal sistema se caracteriza por terde forma bem distintaas figuras do profissional que investiga (delegado de polícia)defende (advogado)acusa (integrante do Ministério Público) e julga (magistrado) o crime.
Saliente-se que esses papéis não podem ser invertidossob pena de provocar o desequilíbrio na relação processual criminal.
Em sínteseapós a promulgação da Constituição Federal de 1988a produção e a confirmação de provaspor intermédio de inquérito policialpresidido por delegado de políciase tornaram obrigatóriapois tal prerrogativa está inseridade modo implícitono rol dos direitos e garantias do princípio do devido processo legal (paridade de força e de armas entre a defesa e a acusação)previsto no inciso LIVdo art. 5ºda Magna Carta.
Art. 5º - (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal(grifei)
Ressalte-se que o princípio do devido processo legal é concebido como o conjunto de direitosque garante uma investigaçãoinstrução e julgamento justo ao acusado.
- Arquivamento do Inquérito Policial
Em segundo lugaro § 1ºdo art. 32o art. 34o inciso IVart. 35e art. 37do projeto em telaquerespectivamenteestabelecem o encaminhamento direto dos autos de inquérito policial e o seu arquivamento pelo integrante do Ministério Públicosem passar pelo crivo do juizviolam o princípio da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário.
Art. 32 - O inquérito policial deve ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias estando o investigado solto.
§1º Decorrido o prazo previsto no caput deste artigo sem que a investigação tenha sido concluídaos autos do inquérito serão encaminhados ao Ministério Públicocom proposta de renovação do prazo e as razões da autoridade policial. (grifei)
Art. 34 - Concluídas as investigaçõesem relatório sumário e fundamentadocom as observações que entender pertinentesa autoridade policial remeterá os autos do inquérito ao Ministério Públicoadotandoaindaas providências necessárias ao registro de estatística criminal. (grifei)
Art. 35 - Ao receber os autos do inquéritoo Ministério Público poderá:
IV – determinar o arquivamento da investigação. (grifei)
Art. 37 - Compete ao Ministério Público determinar o arquivamento do inquérito policialseja por insuficiência de elementos de convicção ou por outras razões de direitosejaaindacom fundamento na provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concretotendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena. (grifei)
O princípio da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário está previsto no inciso XXXVdo art. 5ºda Constituição Federalque estabelece:
Art. 5 – (...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito(grifei)
É relevante registrar que este dogma constitucional é a essência do Estado Democrático de Direitopois sujeitam as lesões de direito individual ao controle judiciário.
E o que é mais graveo controle da legalidade do arquivamento do inquérito policial é exercido pelo próprio Ministério Públicoconsoante se infere do § 1ºdo art. 38do controvertido projeto.
Art. 38 - Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma naturezao Ministério Público comunicará a vítimao investigadoa autoridade policial e a instância de revisão do próprio órgão ministerialna forma da lei. (grifei)
§1º Se a vítimaou seu representante legalnão concordar com o arquivamento do inquérito policialpoderáno prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicaçãosubmeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerialconforme dispuser a respectiva lei orgânica. (grifei)
Saliente-se que essa proposta está incidindo no mesmo erro do inquérito civilque contempla mecanismo de arquivamento interna corporis desse procedimentoou sejano âmbito do próprio órgão.
Vale lembrar que tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 6.745/2006de autoria do deputado João Camposque altera dispositivos da Lei nº 7.347de 24 de julho de 1985para instituir o controle judicial sobre os inquéritos civiscorrigindodesta formaa mencionada anomalia.
Orase tal medida não deu certo no inquérito civilonde criou condições para a prática de inúmeras irregularidadespor que adotar essa providência no inquérito penal?
- Juiz de Garantias
Finalmentea criação do denominado “juiz de garantias”no art. 15do projeto em discussãoembora louvável tal iniciativainterfere demasiadamente na investigação criminal e é inexequível.
Art. 15 - O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciáriocompetindo-lhe especialmente: (grifei)
Efetivamenteo chamado “juiz de garantias”na práticaseria inexecutávelpor absoluta falta de recursos humanos e materiais para a implantação desse novo sistema.
Com efeitopara a efetivação de tal medidaseriam necessáriosno mínimodois juízes em cada Comarca – um responsável pelas medias assecuratórias adotadas na fase da apuração preliminar e outro para a instrução e julgamento do processo.
Para aquilatar a carência de recursos humanos no Poder Judiciárioregistre-se que 40% das Comarcas do Estado de São PauloUnidade mais rica e desenvolvida da Federaçãocontam com apenas um juiz.
VI – Violação dos Direitos e Garantias Individuais das Pessoas Investigadas e Acusadas
No que tange à investigação criminal e ao inquérito policiala referida reforma constitui um verdadeiro retrocesso no sistema de justiça criminalna medida em que contraria a tendência de humanização do Direito Processual Penal Brasileiro.
Em determinados aspectos - a investigação criminal pelo Ministério Público e a usurpação do poder de arquivamento do inquérito policial do Poder Judiciárioo projeto de reforma do Código de Processo Penal representa o retorno ao período da inquisição.
VII - Objetivo das Sugestões Apresentadas
As observações e sugestões apresentadas neste trabalho visam contribuir para o aperfeiçoamento da justiça Criminal e evitar que as propostas do citado projeto incidam em errosprincipalmentena área da persecução criminal preliminarque estão sendo corrigidos no Congresso Nacional.
Efetivamentecom as imperfeições apontadasdificilmente o projeto em tela será aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputadosdeixandoassimescapar uma excelente oportunidade para modernizar e atualizar o Código de Processo Penal.
VIII - Importância das Audiências Públicas
O Senado Federalcom a finalidade de debater as propostas inseridas no projeto de lei nº 156/2009está realizando audiências públicas nas principais capitais brasileiras.
Tal iniciativa é importanteporque proporciona à Polícia Judiciária a rara oportunidade de esclarecer a população sobre as graves consequências da aprovação deste projeto.
IX - Conclusão
O projeto de reforma do Código de Processo Penal não pode servir para tutelar interesse institucional do Ministério Público ou da Polícia Judiciária.
Isto significa que a proposta não pode se transformar em palco de disputa do poder de investigação criminaltravada entre os promotores de justiça e delegados de polícia.
Na realidadetal propositura deve defender os interesses públicosvisando ao aperfeiçoamento do Sistema de Justiça Criminal e a segurança da população.
Mário Leite de Barros Filho é delegado de polícia do Estado de São Pauloprofessor universitárioautor de duas obras na área do Direito Administrativo Disciplinar. Atualmenteexerce a atividade de assessor jurídico do gabinete do deputado federal Regis de Oliveiraem Brasília. Dados para contato: E-mail: mario.leite2@terra.com.br – fone: (61) 3215-5911.
X - Bibliografia
BARROS FILHOMário Leite deDireito Administrativo Disciplinar da Polícia - Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. São Paulo/Bauru: Edipro2ª edição2007.
BARROS FILHOMário Leite de e BONILHACiro de Araújo Martins. Concurso Delegado de Polícia de São Paulo. São Paulo/Bauru: Edipro1ª edição2006.
BONILHACiro de Araújo Martins. Da Prevenção da Infração Administrativa. São Paulo/Bauru: Edipro1ª edição2008.
NUNESLuiz Antonio Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica. São Paulo: Saraiva1997.
OLIVEIRARégis Fernandes. O Funcionário Estadual e seu EstatutoMax LimonadSão Paulo1975.
VERÍSSIMO GIMENESEron e NUNES VERÍSSIMO GIMENESDaniela. Infrações de Trânsito Comentadas. São Paulo / BauruEdipro1ª edição2003.
VIEIRAJair Lot (Coordenador). Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo : Legislação BásicaComplementar e Alteradora. São Paulo/BauruEdiproSérie Legislação7ª edição2003.
————. Constituição Federal. São Paulo/BauruEdiproSérie Legislação11ª edição atualizada até a EC nº 39/20022003.
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