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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Reforma do processo penal enfrenta resistência.

09/11/2009 - 06h20

CongessoEmFoco Magistrados e delegados dizem que proposta em discussão no Senado favorece acusados e não inibe a impunidade. Ministério da Justiça pede cautela em mudanças

Eduardo Militão, enviado especial*

Fortaleza (CE) – O projeto de lei que cria um novo Código de Processo Penal (CPP) para o Brasil é visto com desconfiança por policiais, juízes e juristas. Formulado por uma comissão de juristas que trabalhou a partir de 2007, o texto foi apresentado ao Senado em abril. O relator geral da proposta, senador Renato Casagrande (PSB-ES), promete entregar na próxima seu parecer sobre o PLS 156/09, que está sendo preparado para substituir o atual Código de Processo Penal, de 1941.

Conheça os principais pontos do novo Código de Processo Penal

Durante o 4º Congresso dos Delegados da Polícia Federal, encerrado na última sexta-feira (6), em Fortaleza, não faltou quem criticasse a proposta, em público ou reservadamente. O juiz da 2ª Vara Criminal Federal de Curitiba, Sérgio Moro, disse que a proposta nada faz para acabar com a infinidade de recursos que os advogados podem usar para postergar o andamento dos processos.
Com isso, aumenta a possibilidade de os casos sequer serem julgados e os réus serem “inocentados” pela prescrição – quando se encerram os prazos legais para uma eventual condenação ou cumprimento das penas.

“É necessária uma reforma, limitando o número de recursos. Há discussões no Congresso, mesmo um novo CPP, mas não se caminha nessa linha. Nós vamos ter mais do mesmo”, protestou Moro, que cuidou de crimes financeiros e relacionados à lavagem de dinheiro, como a fraude do Banestado.

As regras atuais chegam a permitir que até um erro num exame de um cadáver seja analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, em tese só deveria avaliar as afrontas à Constituição. “Se esse problema no cadáver interferir na Constituição, o Supremo deve interferir, sim”, defende o jurista René Ariel Dotti, presidente do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal.

Leia ainda: Relator quer coibir medidas protelatórias

Inquérito sem sigilo

O presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF (ADPF), Sandro Avelar, um dos membros da comissão de juristas, é outro que acredita que é necessário diminuir o número de recursos para acabar com a impunidade. Mas as reclamações dele em relação à proposta se voltam para as restrições ao trabalho de investigação.

O texto prevê que o inquérito policial perca o sigilo e seja totalmente aberto, à semelhança de um processo judicial. O investigado deverá ter acesso às suspeitas que pesam contra si e sempre deverá ser ouvido antes da conclusão dos trabalhos do delegado.

“Esse excesso de garantismo se aproxima de inviabilizar a investigação”, diz Avelar. Se, antes mesmo de serem formulados os indícios de provas contra alguém, essa pessoa for avisada do trabalho da polícia, pode haver interrupção das atividades criminosas, destruição de documentos e intimidação de testemunhas, afirma o delegado.

Cautela

O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, acha que é necessário ter cautela antes de se mexer numa lei de 811 artigos, criada em 1941, mas que está sendo fortemente modificada nos últimos sete anos.

Três leis para aperfeiçoar o atual Código de Processo Penal foram aprovadas recentemente. Uma delas unificou procedimentos de audiência para apressar os processos. Outra mudou as perguntas-padrão feitas aos jurados do Tribunal de Júri, para deixá-las mais claras. Outra lei atualizou as regras sobre as provas usadas no processo, para adaptar o CPP às garantias da Constituição de 1988.

Além disso, o Ministério da Justiça aguarda a aprovação de um projeto que elimina tipos de recursos que caíram em desuso, reduz prazos de andamento de processo e diminui as possibilidades de se anular um processo. A matéria está com a tramitação suspensa no Senado por causa do PLS 156/09.

Outra proposta apoiada pelo Executivo reduz prazos para que, por exemplo, uma pessoa que cometeu um crime de menor potencial ofensivo não espere um ano na cadeia para obter uma pena alternativa, como prestação de serviços comunitários.

Segundo Abramovay, ainda é necessário avaliar a eficácia dessas novas leis antes de mudar o CPP por inteiro. “O novo Código tem pontos muito interessantes, mas a gente está no meio de um processo de reforma e avaliação dessas reformas. Depois da avaliação, precisamos de uma sistematização e correção de rumos, e esse novo código pode ser o ponto de partida.”

Cooperação internacional

Durante o 4º Congresso dos Delegados, alguns participantes protestaram contra as regras de cooperação internacional nas investigações da PF e do Ministério Público. Para eles, há  um excesso de burocracia na proposta. “Medidas que burocratizem e retardem a cooperação internacional são mortais para o combate ao crime”, diz um desses críticos, que prefere o anonimato por estar envolvido com a discussão das matérias no Congresso.

Outra grande polêmica do novo CPP é a figura do juiz de garantia. Se for aprovada, a nova lei vai dizer que todo caso terá dois juízes na primeira instância. O primeiro é o juiz de garantias, que despacha com delegados, promotores e procuradores enquanto o caso está na fase preliminar, de investigação policial.

Quando o Ministério Público oferecer a denúncia, o magistrado será trocado. O novo juiz vai julgar o processo e decidir pela sentença. Segundo o vice-presidente Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Nino Toldo, isso vai servir para que os magistrados não se “contaminem” com a investigação e desfavoreçam o réu.

“O juiz é um ser humano. Não de forma generalizada, mas pode acontecer essa contaminação. Isso tem maior isenção”, afirma Toldo.

O vice-presidente da Ajufe admite que a ideia desagrada a alguns magistrados. Um advogado ouvido pelo Congresso em Foco teme que a criação do juiz de garantia crie complicadores para o processo. A defesa terá mais um motivo para pedir a nulidade de um caso se for constatada qualquer pequena omissão na atuação do magistrado de garantias, avalia o defensor.

Lixo

Os policiais federais entendem como “um lixo” a parte da proposta referente à investigação e às relações já difíceis da PF com o Ministério Público. Isso porque o novo Código de Processo Penal fortalece um sistema jurídico chamado de “acusatório”, em lugar do “inquisitório”.

No sistema atual, o juiz tem um papel preponderante, explica Nino Toldo. Com a proposta, o Ministério Público fica com mais atribuições e liberdades para agir sem a tutela do magistrado. Além disso, policiais acreditam que os promotores e procuradores tornam-se superiores hierárquicos das polícias, podendo, inclusive, determinar diligências a serem feitas e casos que devem ser priorizados.

*O repórter viajou a convite do 4º Congresso dos Delegados da PF.

Fonte: Congresso em Foco.

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