25/08/2009 – 03:43
Pesquisa aponta que profissionais aprovam um novo modelo na segurança
Carlos Etchichury | carlos.etchichury@zerohora.com.br
Dois terços dos praças e oficiais das Polícias Militares do país defendem mudanças no modelo de polícia e mais da metade dos policiais civis e militares prega a unificação das corporações. Os dados fazem parte de uma pesquisa inédita realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e o Ministério da Justiça, sobre policiais, guardas municipais, bombeiros e agentes penitenciários do país.
Com 64.130 questionários respondidos, a pesquisa O Que Pensam os Profissionais de Segurança Pública, no Brasil, será divulgada hoje, em Brasília. As respostas ajudam a compreender e a interpretar a atuação das polícias no país.
Ao responderem a pergunta “Qual o modelo ideal de polícia?”, 35% defenderam a unificação das corporações, longe da disciplina e do rigor militar, e 15% manifestaram-se pela criação de uma única polícia militarizada. Mas a maioria (50%) defende uma nova e única polícia. Atuação condicionada a um determinado tipo de crime foi defendida por 12%.
Para Marcos Rolim, professor de Direitos Humanos do Centro Universitário Metodista do Rio Grande do Sul (IPA) e um dos três pesquisadores responsáveis pelo estudo, o fato de a metade defender a unificação deve ser interpretado com cautela.
– Em todo mundo moderno, a tendência é diversificação de polícias, criando mais outras forças. As polícias enormes, pesadas, são ineficientes e difíceis de administrar – opina Rolim.
Maioria diz que tolera corrupção dos colegas
Para o pesquisador, os dados indicam “necessidade de mudança”.
– A constatação mais importante é que os policiais não estão satisfeitos com o modelo de polícia existente – opina Rolim.
Diretor da Academia da Polícia Civil do Rio Grande do Sul (Acadepol), delegado Mario Wagner acredita que os resultados indicam necessidade de se repensar as polícias.
– As polícias hoje precisam defender as garantias individuais do cidadão, nas suas relações entre si. É uma mudança de foco no sentido de se buscar uma prestação de serviços mais eficiente – pondera o delegado.
Com 29 anos de dedicação à Polícia Civil, Wagner defende a preservação da identidade das duas corporações bicentenárias:
– Juntar as duas identidades, agora, seria um fracasso.
O conteúdo de algumas respostas é revelador. Ao responderem, por exemplo, o que fariam se flagrassem um colega recebendo propina, 42% disseram que conversariam e pediriam que o parceiro não fizesse mais e 25% fingiriam não terem visto a cena – ou seja, 65% não prenderiam em flagrante o corrupto. Um em cada cinco denunciaria o companheiro de corporação e apenas 2% pediriam para dividir a propina.
– Fica evidente as limitações de formação e de compromisso moral de parte dos policiais brasileiros – alerta Rolim.
Tortura faz parte da rotina de formação
Oficiais e praças da Polícia Militar dizem que a tortura é recorrente na formação da corporação, como revela a pesquisa “O que pensam os profissionais de segurança pública, no Brasil”. Consultados pela internet, 26,7% dos oficiais e 25,5% dos praças disseram terem sido vítimas de tortura em treinamentos ou fora dele.
Na pesquisa, considera-se tortura qualquer imposição deliberada de sofrimento físico ou mental, como define a legislação brasileira. Não se está falando, portanto, de choque elétrico ou sessões de pau-de-arara. Além de submetidos a treinamentos traumáticos, a maioria dos PMs tem salários aviltados: 83% dos praças sustentam suas famílias com até R$ 2 mil.
Eventuais exageros, manifestados pelos PMs, e salários achatados pode ter repercussão na atividade.
– Dá para entender a dinâmica violenta dos policiais – diz Marcos Rolim, um dos pesquisadores.
Comandante-geral da Brigada Militar, o coronel João Carlos Trindade tem visão diferente. Para o oficial, não existe hipótese de 20% dos militares sofrerem “tortura” na formação.
– Se os policiais que responderam consideram qualquer desconforto físico ou mental como tortura, o percentual poderia ser até maior. Mas não há tortura. O que existe é um treinamento exigente – pondera Trindade.
Na Polícia Civil a realidade é diferente. Apenas 9,8% dos agentes e 10,7% dos delegados reclamaram de tortura em suas formações. Os vencimentos também são mais vantajosos para os escalões inferiores da corporação: 52% recebem até R$ 2 mil.
O estudo aferiu algumas obviedades. Uma delas é que o bico foi institucionalizado nas duas polícias: 60% dos praças e mais da metade dos oficiais (55%) disseram que a “maioria” dos seus colegas tem outro emprego. Na PC, os percentuais são menores, mas continuam elevados: 48,9% dos agentes e 40,8% dos delegados marcaram a mesma resposta.
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