André Abreu de Oliveira · Salvador (BA) · 9/7/2009 04:41
Em recente artigo publicado, pudemos discutir alguns pontos relevantes da Lei nº. 11.705, de 19 de junho de 2008, a chamada Lei Seca. Esta atual Norma alterou a legislação vigente relativa à embriaguez ao volante, notadamente por intermédio de modificações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Entretanto, em nosso texto anterior, restaram pendentes alguns questionamentos relacionados à nova Lei e às modificações por ela realizadas, que serão aqui examinados. Serão feitos, ainda, alguns comentários acerca do Decreto nº. 6.488, também de 19 de junho de 2008, que regulamentou os arts. 276 e 306 do CTB, os quais dizem respeito à concentração alcoólica que constitui infração de trânsito e ao crime de embriaguez ao volante, respectivamente.
A princípio, convém fazer alguns esclarecimentos quanto ao atual nível tolerado de álcool, cuja incidência por parte do condutor não caracteriza infração de trânsito nem crime, e está definido em dois decigramas de álcool por litro de sangue. A fixação de um limite de tolerância veio com a Lei nº. 11.705/08, que deu uma nova redação ao parágrafo único do art. 276 do CTB, agora assim descrito: “Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos”. Isto é, o novo texto legal determinou que órgão do Poder Executivo definisse alguns níveis de tolerância, em situações específicas, que não implicarão em infração, seja administrativa ou penal. Essa regulamentação foi atendida, em parte (pois ainda falta uma resolução), por meio do Decreto nº. 6.488, em seu art. 1º, que é transcrito a seguir:
Art. 1o Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades administrativas do art. 165 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, por dirigir sob a influência de álcool.
§ 1o As margens de tolerância de álcool no sangue para casos específicos serão definidas em resolução do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, nos termos de proposta formulada pelo Ministro de Estado da Saúde.
§ 2o Enquanto não editado o ato de que trata o § 1o, a margem de tolerância será de duas decigramas por litro de sangue para todos os casos.
§ 3o Na hipótese do § 2o, caso a aferição da quantidade de álcool no sangue seja feito por meio de teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), a margem de tolerância será de um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.
Com base nos dados acima descritos do regulamento, pode-se inferir alguns aspectos importantes. De início, nota-se que o atual nível de tolerância, de dois decigramas de álcool por litro de sangue (ou de um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões, no caso do bafômetro), é algo provisório. Ele permanece, conforme prevê o § 2º do art. 1º do Decreto nº. 6.488, até que sejam estabelecidas, por resolução do CONTRAN, quais situações específicas terão certa tolerância e quais serão os níveis de cada um desses casos. Em seguida, percebe-se que a tolerância em vigor, que está valendo para qualquer condutor, no momento em que for publicada a supracitada resolução, só abarcará aqueles casos específicos, que também constarão nesse mesmo regulamento, cada um com seu respectivo nível tolerado (de acordo com o determinado no § 1º do art. 1º do Decreto nº. 6.488). Aí, sim, entrará em vigor a chamada tolerância zero para os condutores flagrados sob influência de álcool, exceto para aquelas hipóteses abrangidas pela resolução do CONTRAN que está para ser editada.
Um outro ponto relevante é sobre as circunstâncias em que podem ser aplicados os testes de alcoolemia. Após a edição da Lei Seca, têm sido divulgadas diversas operações de fiscalização de trânsito, nas quais os condutores são submetidos a testes com o etilômetro (também conhecido por bafômetro) somente por terem sido selecionados aleatoriamente. Será que estão amparadas legalmente as operações deste tipo, nas quais os motoristas são submetidos ao teste do bafômetro de forma aleatória?
Parece-nos que não, pois há um requisito específico na lei para que haja a utilização dos testes de alcoolemia e outros similares. Essa exigência vem expressa no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu art. 277, caput, com redação dada pela Lei nº. 11.275, de 2006, que aduz: “Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado” (grifo nosso).
Desse modo, para que tenha amparo legal, a submissão do condutor aos testes de verificação de presença de álcool previstos no CTB, deverá ser realizada tão-somente nos casos de suspeita de direção embriagada, seja por álcool, seja por outras substâncias análogas. A outra hipótese prevista na lei é a de envolvimento em acidente de trânsito, sendo, também nesse caso, indispensável a suspeita da embriaguez para realização dos exames. Pois, como leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite” e, ainda, “não pode, por simples ato administrativo, [...] criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende da lei” (Direito Administrativo, 20. ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 59).
Por fim, é inegável que o grande aumento de acidentes de trânsito relacionados ao consumo de álcool reclamava alguma providência, legislativa ou não, que fizesse, ao menos, diminuir esses altos índices. Se a nova Lei nº. 11.705/08, com seus possíveis equívocos, não atendeu a todas as expectativas da sua entrada em vigor, pelo menos, promoveu um intenso debate sobre o tema direção veicular versus consumo de álcool nos diversos setores da sociedade. Essa veemente discussão travada sobre o assunto, que foi impelida pelo advento da recente Lei, certamente terá grande utilidade no aprimoramento não só desta lei específica, mas de qualquer outra legislação que esteja por vir a respeito da matéria.
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