15/10/2009
27 de agosto de 1996. Pela primeira vez, o juiz Edison Aparecido Brandão usou em audiência uma tecnologia que daria o que falar no mundo jurídico — a videoconferência — na cidade de Campinas, em São Paulo. A sala da 1ª Vara Criminal de Campinas foi conectada ao presídio de Hortolândia, a 22 quilômetros de distância, para o interrogatório. No mesmo ano, quando era juiz de Direito, Luiz Flávio Gomes fez os primeiros seis interrogatórios online do país e da América Latina. Começava naquele momento uma enxurrada de críticas sobre o uso de tecnologia para interrogar réus. Depois de 13 anos, o assunto ainda desperta polêmica, mas alguns tribunais já adotam a tecnologia. Em janeiro de 2009, foi sancionada a Lei 11.900, que prevê o interrogatório e outros atos processuais por videoconferência. No início deste mês, o Conselho Nacional de Justiça usou a tecnologia para ouvir, de Brasília, testemunhas que estavam em Manaus sobre processo administrativo disciplinar, como mostra o vídeo abaixo.
A lei sancionada pelo presidente Lula, este ano, regulamentou a matéria, carente até então de legislação federal competente. Durante muito tempo, perdurou o questionamento se os estados poderiam legislar sobre o tema de competência federal. O Supremo Tribunal Federal, em 2008, julgou inconstitucional a lei paulista 11.819/05, que autorizava o interrogatório de réus por videoconferência. Por maioria de votos, os ministros entenderam que a lei afronta a Constituição ao disciplinar matéria de processo penal, que é de competência federal. A corte não entrou no mérito da questão. Com a nova legislação, a questão de competência ficou superada. A constitucionalidade da lei federal sobre a videoconferência não foi questiona no Supremo até o momento.
A lei prevê que a videoconferência deve ser usada, excepcionalmente, para prevenir risco à segurança pública, quando existe fundada suspeita de que o preso faz parte de organização criminosa ou de que, por qualquer outro motivo, possa fugir durante o deslocamento. E ainda: para viabilizar a participação do réu no ato processual quando houver dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outras circunstâncias pessoais. O objetivo é, ainda, impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima.
No processo civil, a modernização eletrônica já vem sendo admitida e praticada há alguns anos. No processo penal, sempre houve resistências principalmente por parte dos advogados. Os principais argumentos são o de que o contato físico do réu com o juiz ficaria prejudicado nas audiências por videoconferência. Para os advogados, também ficaria prejudicado o direito à ampla defesa.
O pioneiro Brandão, autor da primeira videoconferência, rebate as críticas: “Ora, no sistema penal brasileiro, o réu é e será inocente até que se faça prova em contrário. A prova longe estará de ser subjetiva, e assim a “impressão” que o juiz tem de ser o réu culpado ou inocente é “impressão” não técnica e de nada serve, a uma porque o réu já é presumivelmente inocente, a duas porque se o magistrado tiver a “impressão” de que ele é inocente, não poderá esquecer-se da demais prova produzida, e a três, porque seria monstruoso que o magistrado condenasse alguém apenas pela “impressão” que teve”, escreveu ele em artigo publicado na revista Consultor Jurídico, em 2004.
Quando a lei federal sobre o assunto foi aprovada, quase 13 anos depois da primeira videoconferência, já havia diminuido a resistência dos advogados. A OAB passou a aceitar o uso da videoconferência para interrogatórios de presos. A entidade somente fez ressalvas em relação ao uso indiscriminado desse tipo de recurso e pediu que juízes preservassem as garantias sobre os direitos dos detentos como prevê a lei.
E, assim, alguns tribunais começaram a usar mais a videoconferência, este ano. Antes, a tecnologia ainda era usada timidamente — por falta de previsão legal clara. Os que passaram a utilizar a tecnologia, perceberam que o método gera economia de tempo e de dinheiro. No Distrito Federal, por exemplo, houve a primeira videoconferência este ano. O TJ-DF estima que seu uso sistemático vai representar uma economia de R$ 2,7 milhões ao Executivo. Isso porque deixará de gastar com o transporte e escolta dos réus.
Dados da Polícia Civil do Distrito Federal apontam que o translado de um preso entre a Papuda e o Fórum de Brasília custa cerca de R$ 200 se a escolta for simples e aproximadamente R$ 7 mil se ela for complexa. Em 2008, foram feitas 13,5 mil escoltas judiciais. A videoconferência deve, também, mudar outra realidade no Distrito Federal. Hoje, cerca de 30% dos interrogatórios de presos deixam de ser feitos por causa da indisponibilidade de escolta ou de veículos para o transporte — o que gera atraso do processo.
Os Tribunais Regionais do Trabalho da 8ª e da 9ª Região — Pará e Amapá e Paraná — também não ficaram para traz, assim como outros que usaram essa tecnologia. O TRT da 8ª Região fez uma das primeiras videoconferências entre as sessões da 1ª Turma, em Belém, e o Fórum Trabalhista de Macapá. O TRT da 9ª Região fez a audiência, simultaneamente, nas cidades de Londrina e Curitiba. Houve sustentação oral sem necessidade de deslocamento de advogados.
Em 2003, a Justiça Federal da Região Sul era pioneira no assunto. A Turma de Uniformização Regional dos Juizados Especiais Federais reuniu-se virtualmente, naquele ano, e julgou 19 casos sem necessidade de deslocamento de seus integrantes de Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba. Eles julgaram processos que envolvem o INSS.
A videoconferência, no entanto, não está restrita a processos judiciais. Ela tem sido útil, também, na administração dos tribunais. Para se ter uma ideia, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), conseguiu reduzir os gastos com viagens e diárias por conta do uso de videoconferência para reuniões administrativas. Entre janeiro e julho de 2008, as despesas com diárias somaram R$ 123 mil. No mesmo período em 2009, caíram para R$ 84 mil, de acordo com dados do tribunal — que seguiu a Resolução 73, do Conselho Nacional de Justiça, sobre limite de concessão e pagamento de diárias no Judiciário.
O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, é um entusiasta da ideia. Ele participou, em julho deste ano, da primeira reunião com presidentes dos cinco TRFs do país, além do presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Luiz Zveiter. Na ocasião, o ministro considerou o teste “extremamente exitoso”. Segundo o ministro, a videoconferência permite um meio de comunicação efetivo entre todos os tribunais.
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