14/10/2009 – 09:26
Com o fim do trancamento da pauta por MPs, grupos de pressão se multiplicam no Legislativo.
Ricardo Brito
O agente penitenciário Fernando Ferreira de Anunciação, 46 anos, não aproveitou o feriado do Dia das Crianças com os dois filhos em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul. Despediu-se deles para viajar rumo à Brasília. Reuniu-se na Câmara ontem à tarde com outros agentes que chegaram de várias partes do Brasil. Vieram pressionar deputados a votarem, até o fim do ano, uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna a função de agente penitenciário carreira de Estado. “É claro que a mudança no rito das medidas provisórias ajudou a categoria a pressionar”, afirmou Anunciação, ao abordar, sem qualquer pudor, todos os deputados que passavam pelo corredor das comissões da Câmara.
Há sete meses, um intenso corpo a corpo passou a fazer parte da rotina dos deputados. Em março, o presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), mudou a forma de interpretar o trancamento da pauta do plenário. Medidas provisórias não barram mais votações de PECs e outras proposições durante sessões extraordinárias. Ao alterar o entendimento, Temer queria permitir que deputados votassem seus projetos. O que se tem se visto é uma peregrinação de grupos de interesse pela Casa.
Há pressões de toda sorte. Um grupo que age sutilmente são os magistrados. Parte deles quer aprovar a PEC da Bengala, que aumenta para 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória — hoje é de 70 anos. Gostam de atuar apenas nos gabinetes dos líderes partidários. Os agentes penitenciários, por sua vez, são mais ousados. Nos últimos dois meses, Anunciação tem vindo à capital a cada 15 dias lutar pela PEC da Polícia Penal. Pretende garantir poder de polícia. “Já conversamos com o Temer três vezes”, gaba-se Anunciação, 17 anos de carreira.
O lobby (ler abaixo) mais ostensivo — e ao menos visivelmente com mais recursos financeiros — é dos interessados em aprovar a PEC dos Cartórios (471/2009). A proposta efetiva no cargo, sem concurso público, responsáveis por cartórios em condições específicas. Liderados por associações de classe, os interessados na aprovação da matéria colaram cartazes para pressionar lideranças partidárias. Já fizeram até uma espécie de corredor polonês na entrada do plenário dos deputados. Ameaçam estampar em outdoors país afora os eventuais “traidores”. “O constrangimento é grande”, critica o líder do PTB, Jovair Arantes (GO). “O convencimento é legítimo, mas só não pode exceder.”
O advogado Wolfgang Stuhr, 27 anos, largou há um mês o emprego de professor universitário para acompanhar de perto a tramitação da PEC dos Cartórios. Quer a todo custo barrá-la, afinal espera ser nomeado em um dos quatro concursos para o qual foi aprovado. Nesse período, o mineiro já gastou R$ 4 mil em economias pessoais para vir à Brasília lutar contra a proposta. “O outro lado mente ao dizer que a medida é boa”, acusa Wolfgang. O advogado contou que, na semana passada, quase brigou com os favoráveis à PEC no Salão Verde. Wolfgang comemorava ontem à tarde o adiamento, mais uma vez, da votação da matéria. Uma reunião dos líderes da Câmara praticamente sepultou as chances da proposta ser votada este ano.
Sem efeitos
A julgar pelo ritmo de votações, o lobby presencial não tem surtido o efeito desejado. Dados da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara apontam que existem 185 PECs prontas para serem votadas pelo plenário. Só este ano, foram votadas quatro emendas constitucionais, mesmo número registrado em 2008. Nos últimos quatro anos, o recorde foi 2006, quando a Casa aprovou seis PECs. Desde 1988, a Constituição foi emendada 58 vezes.
Responsável por provocar a mudança de interpretação no rito das MPs feita por Temer, o deputado Régis de Oliveira (PSC-SP) critica a pressão de grupos em votar as PECs. “A saúde do país melhorou mesmo estando na Constituição? É claro que não”, exemplifica Régis. “Ficamos perdendo tempo em burocratizá-la ainda mais”, avalia o deputado, professor de Direito Constitucional. Ele apresentou uma polêmica PEC para deixar de ser tratado na Constituição temas como educação e saúde. Eles passariam a ser disciplinados por lei ordinária.
1 - Ordem do dia
Em novembro do ano passado, o então presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), defendeu a aprovação de uma proposta que regulamenta a atividade de lobby. Ele pretendia colocar em votação projeto de autoria do senador Marco Maciel (DEM-PE), em tramitação há 20 anos. “Precisamos acabar com o lobby clandestino e fazer aparecer o lobby certo, das pessoas físicas e jurídicas”, defendeu Garibaldi. A intenção de Garibaldi, contudo, não prosperou e deve ser ressuscitada agora pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP).
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