06/03/2010 – 02:00
Neemias Moretti Prudente *
redacao@odiariomaringa.com.br
“A polícia brasileira está entre a polícia que mais mata no mundo. Nunca policiais brasileiros mataram tanto”. É o que mostra o relatório publicado em dezembro de 2009 pela ONG Human Rights Watch. O relatório, elaborado com dados coletados em dois anos de pesquisa, contém 134 páginas e intitula-se “Força letal: violência policial e segurança pública no Rio de Janeiro e em São Paulo”.
As polícias do Rio e de São Paulo matam mais do que 1.000 pessoas por ano em casos registrados como “auto de resistência seguido de morte”. No Rio, a cada 23 pessoas presas, uma é morta pela polícia. Um em cada cinco homicídios tem como autor um policial (20%). Já em São Paulo, a cada 348 pessoas presas, uma é morta pela polícia. Só a título de comparação, nos Estados Unidos é preciso prender mais de 37 mil suspeitos para que haja uma morte em supostos confrontos.
Outro fato que chama atenção são as mortes cometidas por policiais fora do expediente, matando mais centenas, frequentemente quando agem como membros de milícias e em grupos de extermínio. Segundo o relatório, as polícias recorrem à força letal de forma rotineira, frequentemente cometendo execuções extrajudiciais e exacerbando a violência.
Em outras palavras, a grande maioria dos homicídios cometidos pelos policiais, relatados como “legitima defesa” ou “resistência seguida de morte”, são, na verdade, execuções extrajudiciais.
O relatório afirmou que os policiais responsáveis por homicídios no Rio e em São Paulo raramente são levados à Justiça. A causa principal é que os suspeitos destes casos não são investigados como homicidas, mas autores de “resistência seguida de morte”.
Além de que cabe quase que inteiramente aos membros das próprias corporações tomarem as medidas necessárias para determinar a verdade dos fatos. Dessa forma - enquanto couber as policias investigar a si mesmas – está garantido que não se possa determinar a responsabilidade criminal aos policiais por assassinato e, assim, permanecem impunes e as execuções continuam.
Ainda segundo o relatório, os locais de crime são adulterados e raramente reconstituições são feitas. Uma investigação séria de homicídio é pouco provável. É o que ressalta Philip Alston, relator da ONU.
Algumas recomendações para reduzir a violência policial foram apresentadas, dentre elas: i) criar unidades especializadas dentro dos Ministérios Públicos para investigar homicídios após a “resistência”; ii) estabelecer e implementar procedimentos para a preservação da cena do crime que impeçam que policiais realizem falsos “socorros” e outras técnicas de acobertamento; iii) melhorar o salário dos policiais, já que a baixa remuneração favorece a corrupção, extorsão e trabalhos de assassinos de aluguel; iv) garantir a segurança de testemunhas de execuções; v) garantir a segurança e os direitos dos presos, já que estes temem reportar casos de violência; vi) garantir que os policiais responsáveis por execuções extrajudiciais sejam responsabilizados e punidos criminalmente; vii) reestruturar as ouvidorias; viii) aumentar a independência das corregedorias; ix) mais recursos e mais independência para polícias técnicas.
Embora grande parte da população acredite que a melhor solução contra a violência é colocar mais policiais nas ruas, não é de se esperar que, diante desse quadro, segundo uma pesquisa feita pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2008, mais da metade (56,1%) da população do Rio não confia na Polícia Militar. Em relação à Polícia Civil, 42,9% da população investigada afirmou não confiar na corporação.
Enfim, embora predomine o discurso de que a polícia se empenha ao máximo para evitar mortes, mas “não se pode fazer um omelete sem quebrar os ovos” ou “temos que lutar e vencer o crime”, “salve-se quem puder”. Todos têm direito à vida. Não importa quem quer que seja. A letalidade não pode ser vista como necessária. Essa atitude precisa mudar. Os cidadãos precisam de um policiamento mais eficaz e não de uma polícia mais violenta.
* É professor de Direito Penal e Processo Penal (Unerj/PUC-SC), Mestre em Direito Penal (Unimep-SP) e Especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC/UFPR)
Nenhum comentário:
Postar um comentário