Renato Sérgio de Lima[1]
Humberto Vianna[2]
Num ano de ebulição da segurança pública no Brasil, com cortes no orçamento federal da área, crescimento da violência, operações da Polícia Federal questionadas, greves nas polícias de vários estados, a realização, em agosto, da 1ª. Conferência Nacional de Segurança Pública – CONSEG torna-se oportunidade única para o país enfrentar os seus fantasmas e debater abertamente sobre quais modelos de segurança pública são compatíveis com desenvolvimento, garantia de direitos e enfrentamento eficiente do medo e da violência.
Discutir segurança pública significa discutirmos a qualidade da nossa democracia e a forma de gestão das instituições policiais e de justiça. E, recuperando Norberto Bobbio, isso só será satisfatoriamente atingido quando da real incorporação dos dois requisitos essenciais de uma democracia na gestão das organizações da área, a saber: transparência e controle público do poder.
Entre os recentes exemplos de como a transparência, mesmo que causadora de tensões, é benéfica para a sociedade, citamos as recentes divulgações de estatísticas policiais feitas por São Paulo, Espírito Santo e outras unidades da federação. A divulgação de tais estatísticas demonstra um grau de maturidade institucional e política que merece ser elogiado.
São Paulo, para citar o caso mais recente, não omitiu um preocupante cenário de recrudescimento da violência e reconheceu que vários são os seus fatores explicativos. Por certo isso não pode ser justificativa para isentar o Estado de suas responsabilidades, que incluem a ampliação da transparência para os dados penitenciários, mas é revelador de quão saudável é quando um problema como o da segurança pública passa a ser visto como do Estado e não somente de um Governo.
Os números deixam de ser inimigos e passam a ser aliados na busca de soluções. Em resposta aos questionamentos sobre a qualidade dos dados existentes, lembramos a máxima que circula entre os profissionais de instituições de estatística, que defende que o melhor dado é o dado público, sujeito a críticas e aperfeiçoamentos.
Por esse processo passaram as áreas de finanças públicas, saúde e educação, que possuem sistemas de informação estruturados há mais tempo, e os utiliza para diagnósticos, fixação de parâmetros e metas de atuação e controle. E por ele passam os sistemas na área de segurança pública. Sem indicadores de desempenho, sistemas de informação e pesquisas regulares de vitimização (a primeira pesquisa nacional de vitimização deve ser iniciada em junho, após mais de 10 anos de tramitação), o quadro de insegurança hoje existente continuará a ser terreno fértil para ações espontâneas, sejam elas executadas com boas e más intenções, sem nenhuma garantia de sucesso ou eficácia.
Como exemplo das dificuldades aqui destacadas, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), conta, desde 2004, com o Sistema Nacional de Estatísticas em Segurança Pública que, formalmente, subsidia a alocação dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) e é referência para várias Unidades da Federação. O Ministério tem feito esforços para melhorar a qualidade dos registros do sistema e para o aperfeiçoamento da coleta das estatísticas, principalmente no tocante ao conteúdo das categorias trabalhadas e à necessidade de contempl ar os estados na validação de tais dados.
Todavia, isso não é suficiente para evitar críticas sobre a fragilidade dos dados e a própria existência de um sistema nacional precisa ser reforçada e defendida. Entidades como o Colégio de Secretários Estaduais de Segurança Pública, ou o próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por meio da publicação de seu Anuário, cuja edição 2009 esta prevista para início de agosto, têm destacado a centralidade que as informações disponibilizadas possuem no debate público do tema.
Dessa forma, o investimento na qualidade e publicidade dos registros torna-se imprescindível não só tecnicamente, mas politicamente, na medida em que os dados precisam ser compatibilizados em todas as regiões e Unidades da Federação. Para tanto, é necessário definir o que se deve contar e como fazer isso em cada categoria (total de mortes ou homicídios ou homicídios e mortes em confronto com a polícia, entre outras). Do contrário, disputas políticas acabam por debilitar a capacidade de gestão do MJ.
O desafio é eminentemente de gestão política do conhecimento, na qual a técnica é apenas uma das variáveis e não pode ser utilizada como pretexto para a não divulgação do mapa da criminalidade no país. O Sistema precisa ser assumido como um projeto político não só do Governo Federal e precisa ser legitimado. Enquanto ele for visto como tabu e como inimigo das polícias, sempre existirão ressalvas metodológicas que o desmereça
A realização de pesquisas de vitimização fortalece a dimensão de dados compatíveis, mas não diminui a importância dos registros policiais. Como em vários países com polícias mais eficientes do que o Brasil, estatísticas policiais e pesquisas de vitimização são insumos básicos de ações, ainda mais quando trabalhadas de forma complementar.
Por trás dessa discussão aparentemente pontual, encontra-se uma das mais duras batalhas em torno do de como prevenir e enfrentar a violência. E, por isso, cabe-nos explicitar que gestão sem política é tecnocracia e política sem transparência coloca em risco o Estado Democrático de Direito.
Assim, conquistar legitimidade para os dados da SENASP exige vontade política compartilhada e será a senha para a efetiva transformação da segurança publica, pela qual valorização profissional e respeito aos direitos humanos passam a ser eixos prioritários de atuação e podem contar com mecanismos de monitoramento e avaliação adequados técnica e politicamente, tal como preconiza o texto base da CONSEG. Entretanto, sem transparência e sem a possibilidade do controle, os caminhos e soluções propostas têm grande chance de se perderem nos escaninhos do poder.
[1] Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo e Secretário Geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
[2] Coronel da Polícia Militar de Pernambuco. Atualmente é Secretário de Ressocialização do Estado de Pernambuco e Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Fonte: E-mail do Fórum Nacional de Segurança Pública, de 20/05/2009, às 20:16.
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