24/05/2009
O governo federal colocará o dedo numa casa de abelha para tentar reorganizar o sistema de segurança pública do país, hoje marcado pelo bate-cabeça entre as polícias da União e dos estados, evidenciado durante os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Telefônicas (CPI dos Grampos). A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) elaborou um projeto de lei para redefinir os papéis das polícias no Brasil, com direitos e deveres, a fim de torná-las mais eficazes.
O texto, entretanto, é mantido em sigilo, não só pela polêmica que promete gerar, mas também porque deve ser discutido durante a 4ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), marcada para agosto. A proposta é debater com todas as forças de segurança as reformas necessárias e, depois disso, dar o formato final ao projeto. O secretário da Senasp, Ricardo Balestreri, não fala sobre as propostas do governo, por considerar prematuro, mas um grupo de parlamentares já está interessado em conhecê-las. Entre eles, está o senador Delcídio Amaral (PT-MS), um defensor da iniciativa.
"Eu acredito que essa iniciativa vai gerar muita polêmica, mas é preciso criar uma nova modelagem para a atuação dos policiais no país", diz o petista. "É preciso botar o dedo na ferida e estabelecer as fronteiras de atuação das forças de segurança pública, com regras claras", acrescenta. Em março, o senador foi vítima de uma ação precipitada da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que depois de prender um homem por uso de documento falso, numa BR no Mato Grosso do Sul, decidiu interrogá-lo e divulgar o depoimento gravado para emissoras de televisão. A gravação sugeria a existência de um plano para atingir a imagem do senador, mas não se sustentou com as investigações, que demonstraram que o preso tinha problemas mentais.
Rusgas
A parte mais visível da desorganização do sistema de segurança pública está na rixa entre a Polícia Federal, a polícia judiciária da União, e Polícia Rodoviária Federal, polícia administrativa responsável pelo patrulhamento ostensivo das rodovias. O avanço da PRF sobre atividades da PF — como investigações, escutas telefônicas e participações em operações policiais — tem causado irritação nos federais e já motivou até mesmo um pedido formal de providências por parte do presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal, Sandro Avelar. Sem resposta para o ofício enviado em novembro ao ministro Tarso Genro, Avelar, ao lado de outras entidades de classe, foi pessoalmente ao Ministério da Justiça e falou com o consultor jurídico da pasta, Rafael Favetti, cobrando uma manifestação sobre o caso.
Na semana passada, foi a Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais que recorreu ao ministério, por meio da Senasp. O presidente da entidade, Gilson da Silva, se encontrou com o secretário Balestreri para pedir, entre outras coisas, o acesso dos homens da PRF a cursos nos exterior e também uma maior valorização da corporação. Assim como a Polícia Federal, desde setembro do ano passado a PRF exige diploma de curso superior, o que foi estabelecido pela Lei 11.784. Somente nas últimas semanas, os patrulheiros foram protagonistas de duas grandes operações policiais, todas no Mato Grosso do Sul: a Cupim, para reprimir a extração de madeira nobre no estado, que exigiu escuta telefônica; e a Las Vegas, para repressão da exploração de caça-níqueis, o que fez subir ainda mais a irritação da PF.
O nível de estresse pode ser medido também durante reunião com representantes do Itamaraty no Ministério da Justiça, na quinta-feira, quando se sentaram à mesa federais e integrantes da PRF para preparação da reunião de ministros do Interior e Justiça do Mercosul, que acontece em Assunção, no Paraguai. O representante da PRF pediu que a Polícia Federal cedesse parte de sua exposição sobre o combate ao terrorismo para que a corporação também fizesse sua explanação. A reação dos federais foi lembrar ao patrulheiro que ele representava uma polícia administrativa e, portanto, combate ao terror extrapola, em muito, sua área de atuação.
O incidente criou profundo mal-estar e precisou da intervenção do Itamaraty, que lembrou que aquela reunião não era o fórum adequado para discussão de competência das corporações. Desde 2000, a PRF montou seu serviço de inteligência e, em parcerias com o Ministério Público dos estados e da União, vem realizando investigações e escutas, prática condenada em relatório da CPI dos Grampos. Segundo o relatório, a atuação foge das atribuições da PRF e deve ser banida.
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