Deus dá liberdade aos Seus filho

Na liberdade que temos, damos o exemplo e não seguimos as más inclinações deste mundo

“Jesus perguntou: ‘Simão, que te parece: Os reis da terra cobram impostos ou taxas de quem: dos filhos ou dos estranhos? Pedro respondeu: ‘Dos estranhos!’ Então Jesus disse: ‘Logo os filhos são livres’” (Mateus 17, 25-26).

sábado, 3 de abril de 2010

Um crime que serve de alerta.

20/03/2010

A trajetória do jovem que matou o cartunista Glauco e o filho dele, Raoni, mostra que a sociedade brasileira não sabe lidar com comportamentos de risco

Por: Solange Azevedo e Verônica Mambrini

Culpa da religião: "O Daime desenvolveu a esquizofrenia no meu filho", diz Claudetina de Almeida, mãe de frequentador da Igreja Céu de Maria

 TRAGÉDIA
Carlos matou o cartunista Glauco (abaixo), 53 anos, e o filho dele, Raoni, 25. Depois fugiu para o Paraná

Quando completou 24 anos, em dezembro, Carlos Eduardo Sundfeld Nunes ganhou do pai um presente inusitado: uma tatuagem – e logo esculpiu a face de Jesus Cristo num dos braços. No outro, planejara cravar a imagem de Nossa Senhora. Apesar de ter estudado em colégio católico, Carlos não era um praticante. O interesse pelo divino começou a se desenhar há pouco mais de três anos, quando ele se apaixonou por uma moça adepta do Santo Daime. Uma religião brasileira, baseada no consumo de um chá alucinógeno conhecido como ayahuasca e daime. O relacionamento não foi adiante, mas lhe abriu as portas da Igreja Céu de Maria. No templo religioso, erguido no alto de um morro de terra batida, Carlos se sentiu acolhido. Fez amigos. Participou de rituais de fé. Até que, um dia, matou duas pessoas. A história de Carlos serve de alerta porque é repleta de componentes que, em geral, antecedem as tragédias. Filho de um comerciante de classe média e de uma professora, aos 6 anos ele viu os sintomas da esquizofrenia se manifestarem na mãe e, mais tarde, os pais se separarem. “Edu sofreu muito com a doença dela”, diz Carlos Grecchi Nunes, 44 anos, o pai. Por ser filho de uma esquizofrênica, Carlos tem predisposição genética para a doença. O uso de drogas, como maconha, e alucinógenos, como o daime, potencializa o problema. Este perigoso coquetel pode ser fatal – tanto para a própria pessoa quanto para outras. A questão é que a sociedade tem dificuldade de lidar com esses comportamentos de risco.

“Os pais resistem a enxergar as falhas e deficiências dos filhos porque idealizam e projetam suas expectativas neles”, alerta a psicanalista Léa Michaan, da Universidade de São Paulo. “Certas atitudes dos filhos são pedidos de contenção.” A trajetória de Carlos é um exemplo de como sinais de que algo grave poderia acontecer foram subestimados. Os problemas dele começaram antes dos disparos que mataram o cartunista Glauco Villas Boas e o filho dele, Raoni, na madrugada de 12 de março. Carlos se tornou usuário de maconha na adolescência e não ligava para os estudos. Trocou várias vezes de escola e de faculdade. Optou por direito, artes visuais, design de moda, gastronomia. Não concluiu nenhum curso. Trabalhou, por curtos períodos, em uma porção de lugares. Familiares e amigos dizem que Carlos mudou depois de começar a frequentar o Céu de Maria. “Ele virou um fanático religioso. Enchia o carro de colegas e levava para a igreja. Pagava R$ 20 por cada dose do daime”, afirma Nunes. Carlos foi preso na semana passada e confessou o crime. Afirmou que pretendia levar Glauco à casa da mãe, na zona oeste da capital paulista, para que o cartunista revelasse que seu irmão seria Jesus Cristo reencarnado. Embora Carlos não tenha feito avaliação psiquiátrica, o pai diz que o abuso do chá pode ter desencadeado esquizofrenia no filho. “É a defesa que começa a se esboçar. Ele está fazendo o papel de pai, que é proteger a sua cria. Ou a sua criatura”, indigna-se Érica Ornellas, mãe de Raoni.

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O uso religioso do daime é permitido no Brasil. No mês passado, ISTOÉ publicou uma reportagem de capa sobre o assunto. O dilema é que, embora esses rituais satisfaçam as expectativas de milhares de pessoas, o daime pode produzir efeitos indesejados. Cardíacos, por exemplo, podem ficar com o coração sobrecarregado. Quem sofre de esquizofrenia ou transtorno bipolar pode ter a doença agravada. O estudante João Raimundo de Almeida Júnior conheceu o daime aos 17 anos. Logo passou a falar sozinho, rir sem motivo e delirar. Dizia ser a reencarnação de Jesus Cristo e que, uma das irmãs, era a da Virgem Maria. Tentou agredir a mãe com uma enxada. “Pensei que fosse encosto. Custei a perceber que o problema do meu filho era de saúde”, diz a empregada doméstica Claudetina de Almeida, 42 anos. “Os psiquiatras falaram que era esquizofrenia.” João se suicidou ao se jogar de um viaduto. “As chances de uma pessoa ter esquizofrenia aumentam, pelo menos, cinco vezes quando um parente de primeiro grau tem a doença”, explica o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo. “A maconha é um dos principais desencadeadores.” Laranjeira relata que sinais da doença – como dificuldades na escola, isolamento social e inquietação – aparecem antes das alucinações. Carlos aprecia a leitura. Teve preferência por pensadores como o alemão Friedrich Nietzche e o italiano Nicolau Maquiavel. “Havia churrasco na casa dele quase todo fim de semana. Antes do daime, ele ficava filosofando. Depois, começou a filosofar coisas de Deus”, relata uma amiga.

Ela conta que Carlos passou a abusar mais do álcool e da maconha nos últimos meses. “Acho que o Cadu fumava todos os dias. Ele dizia que não precisava de psicólogo, que o daime era sagrado e não faria mal.” Segundo ela, Glauco suspendeu Carlos dos cultos por causa de seu comportamento estranho. A versão da amiga não combina com a do pai. “Consegui afastá-lo da igreja com muita conversa”, afirmou Nunes à ISTOÉ. Por causa dos negócios, Nunes se mudou para Goiânia. Os dois filhos passaram uns tempos por lá, mas preferiram continuar com os avós, em São Paulo. O músico Felipe Lobo, 26 anos, acredita que Carlos tenha permanecido na igreja por estar “atrás de um barato a mais”, e não por questões espirituais. Os dois se conheceram no Céu de Maria, mas andaram se esbarrando em outras igrejas da mesma linha. Felipe afirma que Carlos “sempre foi uma pessoa que apareceu um pouco mais do que as outras. Além de ser um pouco imaturo, chamava a atenção por causa dos problemas familiares”.

"MEU FILHO PRECISA DE TRATAMENTO"

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APELO DE PAI
Segundo Nunes, seu filho diz que o mundo vai acabar em breve

ISTOÉ – O que aconteceu com seu filho?

Carlos Grecchi Nunes – O Edu começou a ir à igreja do Glauco porque se apaixonou por uma menina que frequentava o local. Dizia que ela era uma missão divina e passou a falar demais da religião. Seu criadomudo virou um santuário. Ele já ficou cinco dias sem dormir, lendo a “Bíblia”. Rezava para as plantas, no frio, na chuva. Dizia que era a reencarnação de Jesus Cristo. Um dia, chegou tão alterado que o irmão teve de amarrá-lo no portão.

ISTOÉ – Quais providências tomou?

Nunes – Eu disse que ia interná-lo, mas ele se ajoelhou e falou que não queria ficar igual à mãe, que é esquizofrênica. Pediu pelo amor de Deus. Consegui afastá-lo da igreja com muita conversa. O irmão trancou a faculdade para ficar de olho nele. Minha mãe foi pedir para não darem mais o chá do Santo Daime para ele, mas não adiantou. No Réveillon o Edu foi à igreja e, na volta, estava tão pilhado que caiu com o carro num barranco.

ISTOÉ – Ele não se revoltou com a proibição?

Nunes – Não, mas começou a ter oscilações de humor. Num dia mandava um monte de currículos. No outro, dormia o tempo todo. À noite, ia fumar maconha. Tinha dificuldade de se enquadrar numa vida normal. Mas ele nunca foi agressivo e ninguém imaginava que pudesse comprar uma arma. Ele gostava do Glauco. Uma vez, fui buscá-lo e ele estava orgulhoso porque tinha cavado um buraco onde seria construída a nova sede da igreja.

ISTOÉ – Teme pelo futuro dele?

Nunes – Temo pela forma como esse assunto vem sendo tratado. É justo ele ir para o sistema penitenciário? O meu filho precisa de tratamento. Queria que todos que sofrem com a esquizofrenia aparecessem para contar a própria história.

Fonte: Revista IstoÉ - Editora Três apud FENAPEF.

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