04/09/2010
Certamente você já ouviu o ditado: a propaganda é a alma do negócio! À primeira vista, a frase é simples, inocente e genial, como pode acreditar um estudante de publicidade que ainda acha que a maior invenção do mundo é o clipe para prender papel. Não discordo sobre a importância da publicidade e da propaganda nos empreendimentos comerciais e na vida pessoal. Mas o fato é que esta frase esconde uma questão intrigante: se a alma do negócio é a propaganda, qual a importância do produto em si? Sem a resposta correta para esta pergunta, cedo ou tarde, você vai comprar gato por lebre.
E uma das maiores propagandas que tenho notícia no meio policial diz respeito ao coldre de neoprene. A empresa Neoprene Brasil informa que o neoprene “é a combinação de uma fatia de borracha expandida sob alta pressão e temperatura, que quando vulcanizada é revestida com tecido dos dois lados ou de apenas um lado. Suas principais características são: flexibilidade, elasticidade, resistência e proteção térmica.”
Um bom coldre deve ser resistente, confortável, fácil de usar em qualquer circunstância e seguro. Embora os policiais acreditem que o coldre de neoprene proteja a arma contra a ferrugem (seu grande trunfo), isto não é verdade, pois nenhum coldre possui esta capacidade. De qualquer modo, o produto é vendido com ou sem presilha para cintos. Quanto ao último modelo, simplesmente me recuso a desperdiçar tempo precioso com considerações técnicas e táticas. Assim, se você possui um coldre desse tipo, considere a seguinte sugestão: jogue-o no lixo. Fazendo isso, você vai se livrar de metade do problema. Já a outra metade se revolverá quando você adquirir um produto de qualidade indiscutível.
Ops! Aqui tem outro problema! Num lugar onde as polícias se equivalem a indigentes em termos de equipamentos de uso pessoal e coletivo, adquirir algo de QUALIDADE INDISCUTÍVEL significa, invariavelmente, importar. A indigência não é uma falha dos policiais, mas do desconhecimento, do desinteresse, da inaptidão e da avareza dos responsáveis pelas aquisições de produtos destinados ao trabalho policial. A questão é que para preencher esta lacuna, os policiais acabam utilizando seus salários na aquisição dos equipamentos que precisam. E quando fazem isso, esbarram na pobreza do mercado nacional. Pessoalmente, não me importaria com a sobrevivência do mercado interno, desde que eu encontrasse os melhores equipamentos estrangeiros em cada esquina.
Então, eu penso numa bota Original Swat, Hi-tec Magnum ou Oakley, e alguém compra um kichute. Penso num colete tático Blackhawk, Eagle ou Leapers, e alguém me entrega um jaleco. Penso numa veste policial/militar 5.11, Gore-Tex Parka com camuflagens variadas, e alguém manda tingir uma gandola. Penso num bastão retrátil, e alguém compra uma tonfa de um metro. Penso numa arma Glock, Sig Sauer, CZ, Springfield, Heckler & Koch, Colt, Benelli ou Remington, e alguém quer me empurrar um troço goela abaixo. Penso num sedan médio 2.0 adequadamente equipado para o trabalho policial, e alguém compra um camburão ou manda instalar um kit gás no carrinho 1.0 da polícia. Aí, penso num coldre Fobus, IMI, Blackhawk, Safariland, 5.11, Specter ou Uncle´s Mike, e alguém vende e faz propaganda de uma coisa de neoprene.
Mesmo assim, tentando melhorar o conforto, a própria segurança e a qualidade do trabalho que prestam ao país, a maioria dos policiais acaba adquirindo os produtos disponíveis nas parcas lojinhas de quinquilharias. Contudo, acreditando na propaganda boca a boca, o policial compra o tal coldre de neoprene. “Com ele, a arma não enferruja!”, “A arma fica firme na cintura!”, “Sempre que eu precisei, o coldre funcionou!”, “É muito confortável e nem parece que eu estou armado!”, “É ambidestro e compatível com várias armas curtas!”, “Quando eu treino o saque, o coldre nunca sai junto com a arma!”
Entretanto, caro colega, a diferença entre o treinamento e a vida real é o DESESPERO. E mesmo no treino, aqueles que usam coldres de neoprene acabam sacando, “sem querer”, suas armas e coldres ao mesmo tempo. Para piorar, na vida real, as coisas raramente ocorrem como você quer ou da forma como você treina.
Só para ilustrar esta real possibilidade, no Rio de Janeiro/RJ, um experiente policial federal reagiu durante um assalto. Ele sacou sua arma, mas o coldre de neoprene ficou preso nela. Mesmo assim, o policial conseguiu disparar UMA VEZ nos criminosos. Depois do primeiro disparo, a pistola falhou porque o coldre impediu o movimento do ferrolho (totalmente para trás ou para frente). Os criminosos revidaram e acertaram o policial, que só não foi assassinado porque os bandidos se deram por satisfeitos. Volto a lembrar: o desespero é a diferença entre o treino e a realidade.
Como policial, você provavelmente já experimentou aqueles sonhos recorrentes onde você está desarmado no meio de um tiroteio ou sua arma falha ou os projéteis caem no chão assim que saem do cano. E para transformar este sonho em realidade, basta você usar uma arma suja (ou de qualidade duvidosa) ou munição velha ou uma pochete “saque rápido” ou um coldre que não presta. Então, antes de gastar seu salário, verifique se o equipamento é o melhor possível e funciona na hora da AFLIÇÃO EXTREMA.
Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal e professor de armamento e tiro lotado na Delegacia de Polícia Federal em Uberlândia/MG.
E-mail: humberto.wendling@ig.com.br
Blog: www.comunidadepolicial.blogspot.com
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