04/07/2011 - 09:21
Detentos afirmam que equipamento demora para alertar fugas.
Para evitar constrangimento, eles dizem não usar mais short ou bermudas.
Maria Angélica Oliveira
Do G1, em São Paulo
Roberta* afirma que já foi acordada durante a noite, quando estava no presídio, e ouviu que o sistema apontava que ela estava no Rio de Janeiro (Foto: Daigo Oliva/G1)
Detentos que utilizam tornozeleiras eletrônicas afirmam que o sistema comete falhas na localização do preso. O G1 conversou com dois reeducandos do regime semiaberto no estado de São Paulo.
Eles deixam as unidades prisionais pela manhã para trabalhar e retornam à noite. Todo o trajeto está mapeado na central e é monitorado: desde o presídio até o ponto de ônibus, o caminho percorrido pelo veículo, o outro trecho a pé até o local de trabalho e todo o caminho de volta.
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Além do acessório usado no tornozelo, o preso carrega uma espécie de rádio que pode ser usado para a central se comunicar com ele. O equipamento tem uma luz que indica o sinal de satélite e outra que se acende em caso de desvio da rota. A peça deve ficar junto com o detento ou distante no máximo 20 metros.
“É igual a um GPS de carro, não é 100%. Já aconteceu de me acordarem e falarem que eu estava no Rio de Janeiro ou em outros lugares”, diz Roberta* (nome fictício), de 26 anos. "Esses dias estava constando no sistema deles que uma menina estava na África do Sul e ela estava na unidade”, conta.
Paulo* (nome fictício) diz que já teve que trocar oito vezes de tornozeleira. “Na saída do Natal, falaram que estava constando como se eu estivesse na Nigéria. Ligaram na minha casa para confirmar que eu estava lá. Uma vez aqui no serviço ligaram e estava constando que eu estava em outro bairro”.
Roberta afirma que já viu colegas perderem o direito de trabalhar depois que o sistema as acusou erroneamente que terem saído da área permitida de circulação. O contrário, afirma, também acontece. Ela diz que já saiu da rota prevista e que o sistema não disparou o alarme apontando o desvio.
Outro problema, de acordo com os presos ouvidos pelo G1, é o sistema de acionamento em caso de fuga. “Se um preso cortar a tornozeleira, acusa na central, depois vai para o fórum e só depois para a delegacia”, diz Roberta.
Ela se diz pessimista em relação à nova lei. “Coitado de quem tiver que usar [como medida cautelar] porque toda hora vai ter que ir no fórum ou até vai correr o risco de ser regredido. Esse negócio é complicado. Acho que deviam procurar ver melhor porque às vezes punem as pessoas por causa de uma máquina.”
Já o detento acredita que a nova regra pode ser boa. “A tornozeleira funcionando ou não, você já fica com o pé atrás se estão te vendo”, diz.
Para Roberta, que não usa mais short para não mostrar a tornozeleira, e para Paulo, que não usa mais bermudas, o sistema só constrange, mas não intimida a ponto de evitar uma fuga. “Se a pessoa quiser fugir, ela tira e foge”, afirma Paulo.
Outro lado
A Secretaria de Administração Penitenciária informou que irá apurar as denúncias. Segundo a pasta, "o sistema é descentralizado, com as Coordenadorias Regionais de Unidades Prisionais fazendo controle dos presos de sua região".
A secretaria diz que caso o lacre do aparelho que fica preso ao corpo do preso seja rompido, a empresa comunica à coordenadoria, onde o setor de inteligência identifica qual preso corresponde aquele número e avisa a Polícia Militar para que esta faça sua captura. Se recapturado, o preso volta ao regime fechado.
Duas das três empresas que trabalham no sistema de monitoramento eletrônico de presos em São Paulo foram procuradas pelo G1 antes das entrevistas dos presos, mas não responderam aos pedidos de entrevista.
Estados esperam que lei ‘desafogue’ presídios
A expectativa de muitos estados é que a lei ajude a reduzir a superlotação em penitenciárias.
“Aqui, 80% dos presos são provisórios. Temos 4 mil presos, e 3,2 mil são provisórios. A nossa esperança é que, quando a lei entrar em vigor, diminua o número de prisões e o número de pessoas que serão presas”, diz o diretor do Departamento Penitenciário de Sergipe, Manuel Lúcio Neto.
Ao contrário da previsão de “esvaziamento” do sistema prisional, o assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional, José de Jesus Filho, teme que a nova lei gere mais prisões. “Pode ser que o remédio tenha efeito contrário. Pode ser que, na verdade, os juízes só apliquem essas medidas para aqueles a quem já concediam liberdade. Ou seja, não vai reduzir a população prisional”, diz.
Ele também teme a influência do setor privado na formação das políticas públicas e vislumbra uma “sociedade controlada”.
Acessório usado junto com tornozeleira eletrônica (Foto: Daigo Oliva/G1)
“Essas medidas repressivas são mantidas por aqueles que têm interesse na punição. Essas empresas não entraram para perder, entraram para ganhar. E como você faz pra expandir o lucro? Quanto mais pessoas controladas, melhor. Por enquanto temos duas leis. Você tem dúvida de que teremos mais?”, questiona.
O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Justiça, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (Consej), Carlos Lélio Lauria Ferreira, diz que o objetivo da lei não é esvaziar prisões, mas sim reafirmar princípios da Constituição como a presunção da inocência e o direito à ampla defesa.
“A lei só está ressaltando que só se deve manter preso quem realmente necessita estar preso. A prisão tem que ser reservada para casos extremos. O que está acontecendo no Brasil é que a prisão está se transformando em regra, e a liberdade, em exceção”, expõe.
O exemplo usado por ele para defender a aplicação de medidas alternativas descreve milhares de situações no país, onde o sistema carcerário conta com 220 mil pessoas presas sem terem sido julgadas.
“Um pequeno traficante hoje é jogado na cadeia e fica um ano esperando o término do processo. Às vezes é até inocentado. Ele volta para as ruas pior. Normalmente, vai voltar como grande traficante ou como latrocida, o que custa muito caro para a segurança pública. É uma política caolha investir só em prisão. Enquanto se tiver a cultura de que só com prisão se resolve as coisas, estamos agravando o problema e não buscando soluções”, diz.
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